Quinze

Um torcedor esmeraldino que está no andar de cima deve estar muito feliz com o retorno do Campeão do Centenário a divisão de elite. Bem provável que João Cabral escreveu mais uma carta sobre o seu sentimento esmeraldino a seu primo Manoel Bandeira, seguindo estes moldes: 

Prezado Manuel, 

Ontem, fui adormeci feliz. Lá da Terra chegou a notícia que o meu querido América vencera o Chã Grande por 4x1. Em seis jogos decisivos, quatro vitórias maiúsculas. O que mais posso eu desejar dessa vida? Novamente, me dói o fato de nao estar no Recife. Soube que uma multidão de garotos residentes de Paulista foram até Chã Grande para apoiar nossos jogadores até a vitória. Soube também a que aqueles que vestiram a camisa do meu amado América conseguiram uma vitória épica, calando a boca de vários torcedores desta agremiação local enquanto todos assistiam nosso momento de glória.



Tu sabes que me arrependo amargamente de ter pedido a Deus que caso o América conquistasse o título de 1944? Jamais iria me dar por satisfeito conquistar apenas mais um título. Nunca me daria por satisfeito ver meu clube não ser campeão após 44. O fato é que acabei provocando a ira do Criador e ele acabou levando a sério tal pedido. 

Manuel, mas apresso-me em te contar. Eu, que como sabes, sou o mais descrente dos crentes, cansado de tantas derrotas durante tantos anos, decidi provocar Deus mais uma vez. Quando os grupos da segunda fase foram anunciados, absolutamente todos disseram que o Chã Grande conquistaria o acesso jogando com apenas um pé. 

Com o intuito de quebrar todas as probabilidades de estatísticos e jornalistas, mais uma vez decidi provocar o Criador e fui ao seu encontro para mais um acordo. Disse-lhe que, caso o meu América subisse, ele iria tirar um peso das minhas costas por mais de 66 anos. Caso o América retornasse a elite, eu ficaria feliz e com a consciência em paz. 

Vencemos com grandeza o Pesqueira fora de casa, e, graças ao Criador aqui de cima, o Timbaúba venceu o Chã Grande, deixando tudo embolado. Durante um certo tempo, acalentei novamente a certeza no meu submundo irracional. Pois, tu que és meu primo sabes, não me deixo levar por esta quimera. 

Chegou então o momento do terceiro jogo. Acordei convicto de que li terminavam minhas dúvidas metafísicas. E o América venceu novamente! Como é oportunista este Cláudio. Apesar de ser cria do clube da Rosa e Silva, como ele se deu bem com o manto verde e branco! E como é bom ser líder, mesmo que seja por diferença de um mísero gol de saldo. Naquele momento vi que poderíamos sim triunfar... estávamos a apenas três passos do paraíso perdido. 

No quarto jogo veio o banho de água fria, confesso, Manuel que mesmo com a suplica a Deus, ainda permanecia descrente, não pelo time que havia se doado em campo, apesar das derrota, mas quem conviveu com tantas derrotas e decepções durante tantos anos ficou difícil aceitar a queda do topo para a terceira colocação. Rezei muito para a recuperação, enfim, vencer o Pesqueira novamente era questão de Vida ou Morte. Fiquei tenso durante toda a semana, e permaneci assim até o início do segundo tempo. O gol de Branquinho lavou minha alma, fazendo-me perder em alguns minutos a racionalidade. Que gol chorado e ao mesmo tempo com raça. Vendo daqui de cima, o gol de Alemão também foi uma pintura, digna de Picasso. 

(In)Felizmente, coube a nós sofrermos na última rodada, com a vitória dos Timbaubenses em cima do Chã Grande. Daqui do meu cantinho estava em um misto decepção e ironia a forma como a imprensa de hoje tratou a situação do meu América para esta final. Mesmo empatado na pontuação com o Timbaúba e estando com dois pontos a mais que o Chã Grande éramos tratados como azarões. O fato é que nós sempre vivemos uma Vida Severina, tentando mostrar a todos que conseguimos vencer todos os obstáculos, independente que os prognósticos estejam ou não no lado esmeraldino. 

Confesso que nem na minha vida terrena havia assistido uma decisão tão dramática quanto esta. Quem em sã consciência iria acreditar apostar as fichas no América, que saiu no primeiro tempo empatado, enquanto que o Timbaúba vencia no score de 3x0? Talvez somente nossos nobres guerreiros naquele gramado acreditava nesta hipótese. Tratava-se de um fato totalmente adverso, contudo, o América retornou a campo como máquina de platina de jogar futebol, assim como nos tempos de minha juventude. Passou por cima dos chã-grandenses, sem dó nem piedade. Talvez porque estava entalada duas derrotas contra eles no Ademir Cunha. 

Como jogou aquele menino Muller, parecia ter encarnado o Zé Tasso com a forma que fazia fila na zaga adversária. 

E o que falar de Mousinho? 

Não consigo encontrar outra comparação a não ser com um belo vinho para demonstrar o quão ele foi decisivo. Mesmo com a nossa vitória, me tranquei por dentro. Ainda restavam cinco minutos de partida lá em Pesqueira. 

Cinco longos e intermináveis minutos que me causaram nervosismo e que poderiam mudar toda um história, para nosso bem ou para nosso mal. E quando as horas do jogo finalmente se escoaram, pude realmente gritar para todo o universo: O América subiu! Enlouqueci, Manuel. São Pedro passava pelo meu lado no momento em que havia ecoado minha felicidade extrema. Leça, Zezé e Moreira vieram ao meu encontro... eufóricos! Confesso que perdemos a compostura durante alguns instantes, e caso estivesse na Terra, estaria junto com aqueles garotos fazendo a festa em Casa Amarela. Felizmente daqui de cima, consegui ver Pernambuco coberto de verde. 

Um domingo diferenciado, onde o Trio de Ferro folgou e deixou o sétimo dia somente para nós. Que ironia do destino! Até pareceu ter sido combinado pela cartolagem. Queríamos pintar o Céu com outras cores, deixando na tonalidade lembrando o verde, mas quase que nos deportam para o purgatório. O meu espanto maior foi ver daqui de cima a tamanha felicidade de alguns jovens que percorreram o bairro de Casa Amarela aos berros, ecoando o retorno do meu Ameriquinha. 

Fiquei por um momento, tentando entender qual o motivo de tanta alegria... Porque estes jovens estão felizes se nunca viram a fase áurea do Campeão do Centenário? Sinceramente, apesar de alegre com a cena, até agora eu não entendi. O mundo inteiro em guerra e eu convalescendo de uma absurda dúvida existencial. Agora reestabelecido e feliz, eu sei que tudo não passou um sonho, insanidade ou perda momentânea da razão. 

O América voltou a ser de fato um esquadrão invencível e recuperando parte do seu respeito e tradição esquecido em algum canto de um pretérito nada perfeito. Ano que vem será, aliás no próximo semestre, estaremos novamente na elite do futebol pernambucano. Hoje podemos dizer que estamos no lugar do qual nunca poderíamos ter saído. Saímos pelas discordâncias e desentendimento da cartolagem e voltamos dentro de campo. 

Coisas deste nosso futebol tupiniquim, que até hoje está longe de ser levado a sério. Deus, mostrou novamente que tem piedade dos pobres mortais e tirou um fardo de quinze anos nas costas do meu periquito.. 

Um abraço fraternal, Do seu primo, João Cabral de Melo Neto. 

PS: Em tempo, avise nosso primo Gilberto para ficar de olhos bem arregalados em 2011. Se bobear, tirarei o hexa do seu Esporte! Leia a sua carta original, escrita em 1945, clicando aqui.


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