América Futebol Clube (PE)
Esporte Clube Bahia
Leça
Lenivaldo Aragão
Um pernambucano cantado em verso e prosa pelos baianos
Por Lenivaldo Aragão
“No tempo em que Leça Era goleiro do Bahia Mais que goleiro Era uma garantia”
Já faz tempo que Gilberto Gil, no início de sua carreira, gravou essa música. Com ela mostrou toda a admiração que os baianos devotaram a um dos maiores ídolos do futebol da Boa Terra, de todos os tempos: o pernambucano Leça.
El Magriço, como a imprensa pernambucana o tratava, por motivos óbvios, formou no time que em 1944 deu o último título de campeão estadual ao América Futebol Clube. Poucos anos depois foi brilhar no futebol baiano.
Filho de um português com uma inglesa, Leça aprendeu desde cedo a gostar do América por razões familiares, tanto ele, como seus 22 irmãos. É que o velho Ernesto Leça, o chefe do clã, era pessoa de destaque no Campeão do Centenário, tendo ocupado a presidência do clube várias vezes nos anos 20 do século passado.
Em 1927, Leça ainda era uma criança, quando viu cinco irmãos seus, além de um adotivo sagrarem-se campeões estaduais pelo alviverde. Foram eles: Half (ex-presidente da extinta Telpe), Eric, Ciryl, Harry e Jorge, e mais Deoclécio.
Em 1944, dando prosseguimento à saga da família, Leça inscrevia seu nome na galeria dos heróis do título, ainda hoje lembrados por velhos torcedores americanos. Eis o time campeão: Leça, Deusdeth e Lucas; Pedrinho, Capuco e Astrogildo; Zezinho, Julinho, Djalma, Edgar e Oseas. Técnico: Álvaro Barbosa. Destes ainda resta vivo Oseas, que vive em sua cidade natal, Garanhuns.
Na melhor de três, transformada em melhor de duas, o América venceu o Náutico por 2 x 0 e 3 x 0, e em cada uma das duas partidas Leça defendeu um pênalti.
Idolatrado entre os baianos
Pouco tempo depois de sagrar-se campeão pernambucano, o América foi a Salvador para participar de um torneio, juntamente com Fluminense, São Cristóvão, Vasco da Gama e Flamengo, do Rio, e um time da Argentina, além das equipes da terra.
Para a alegria dos torcedores baianos desfilavam pelo antigo estádio da Graça, autênticos ídolos do futebol brasileiro, a exemplo de Jair e Zizinho. Os goleiros Castilho, Veludo e Luís Borracha eram festejadíssimos.
No meio dessas sumidades, quem terminou brilhando foi o pernambucano Leça, eleito o melhor goleiro da competição. Seu grande momento foi na vitória do América por 2 x 1 sobre o Bahia, quando fez defesas incríveis. Era a primeira vez que um time de Pernambuco derrotava o Esquadrão de Aço, em seu reduto, Salvador.
Começou a surgir um namoro entre Leça e o Bahia. Tempos depois, o alviverde da Estrada do Arraial voltava a jogar na capital baiana. Nova vitória do América, que, no entanto, foi derrotado numa revanche. Apesar de ter ganho o jogo, o Bahia teve muito trabalho para balançar a rede adversária, tanto que depois do encontro, Leça foi carregado triunfalmente nos braços de torcedores baianos.
Aumentou o assédio do Bahia em torno de Leça, que terminou indo fazer a alegria dos torcedores da Boa Terra, depois de ter defendido o América de 1939 a 1947, portanto, oito anos.
Foi no futebol baiano que Leça viveu a maior fase de sua carreira. Se antes de ser contratado já era aclamado pela torcida, imagine-se o que passou a acontecer, depois que teve seu passe comprado pelo Bahia.
Durante 10 anos foi titular absoluto do tricolor baiano, pelo qual sagrou-se tricampeão, e da Seleção Baiana, no extinto Campeonato Brasileiro de Seleções. Tornou-se um semideus, um rei entre os orixás. Quando já de volta ao Recife, o Bahia festejou, em 1981, seu cinqüentenário de fundação (1/1/1931), Leça foi a Salvador para ser homenageado entre outros grandes ídolos do clube.
Goleada, virada e aborrecimento
Ao voltar para casa, Leça ainda vestiu a camisa do América. A estréia, badaladíssima pela imprensa, foi contra o Náutico. Era o famoso Clássico da Técnica e da Disciplina, e o alvirrubro tinha um ataque, que, conforme o goleiro alviverde definiu certa vez, “não era garapa”: Plínio, Wilson, Ivson, Rubinho e Jorginho. Como de costume, Leça fechou o gol e seu time venceu por 1 x 0.
Outro momento glorioso vivido por Leça foi em 3 de junho de 1956. Naquele dia ele levou três gols, mas participou de um momento histórico, posto que o América derrotou o Santa Cruz por 6 x 3. Na outra barra estava ninguém menos do que Barbosa, vice-campeão mundial pelo Brasil em 1950. Quatorze dias depois, portanto, em 17 de junho, o América estava derrotando o Náutico, na Ilha do Retiro, por 2 x 0, mas levou a virada, perdendo por 7 x 3. Esse jogo, aliás, lhe causaria muito aborrecimento.
Tudo começou num jogo anterior em que o América derrotou o Santa Cruz por 1 x 0, e Leça recebeu um bicho-extra de um torcedor. Na realidade, era um apostador que tinha enchido as burras naquela partida. Tratando-se de quem se tratava, Leça ficou hesitante. Não sabia se receberia o dinheiro – cinco contos de réis, uma soma bastante razoável – ou recusaria a oferta. Consultou o pessoal de casa e todos foram unânimes em aconselhá-lo a receber. Finalmente, o homem ganhara muito dinheiro às suas custas e queria recompensá-lo. Não havia nada demais, pensavam todos.
Na realidade, o apostador havia prometido o prêmio alguns dias antes, caso Leça fechasse o gol. Depois da vitória sobre o tricolor, o goleiro saiu para tomar umas cervejas com os companheiros, comemorando o triunfo. Ao chegar à sua residência, à Rua São Miguel, em Olinda, já não se lembrava da ‘promessa’, mas o cidadão o esperava.
Nem Leça nem seus familiares poderiam imaginar que estava sendo armado um bote para tentar pegá-lo na descoberta. Dias depois, o apostador cruzava seu caminho por via indireta, através do ponta-direita Jarbas. Haveria mais um Clássico da Técnica e da Disciplina, e o Náutico precisava ganhar de qualquer maneira, pois havia muito dinheiro apostado. A proposta para abrir o jogo foi feita no sanitário de um bar por Jarbas. Os dois quase saem na tapa. Anos depois, Leça daria este depoimento sobre o incidente:
“Fiquei furioso. Na véspera do jogo passei a noite toda sofrendo de problemas intestinais, mas mesmo assim resolvi jogar. O resultado foi aquela tragédia. Minha raiva aumentou depois que soube que um sargento do Exército, que vivia metido com os homens da diretoria, tinha passado a seguir meus passos, depois da partida, para ver se eu ia receber dinheiro de alguém. Quando soube disso, peguei uma doze polegadas (faca peixeira) e fui tirar as coisas a limpo. Procurei o tesoureiro Hugolino Rodrigues, junto com um dos meus irmãos, e estava disposto a tudo, se ele viesse com conversa mole”.
Pouco depois, alegando deficiência técnica, o dirigente Pedro de Tasso rescindia seu contrato. Ainda disputou o campeonato de 1958 pelo Íbis, atendendo a um amigo, e resolveu descalçar as luvas.
“Em 18 anos de carreira nunca fui expulso”, costumava se gabar.
Em 1975, o reconhecimento, materialmente simples, mas sincero. O América, ao levantar o Torneio Incentivo, dedicou-lhe um troféu, com uma dedicatória singela, mas tocante: “Ao inesquecível Leça”.
Em 11 de setembro de 1989 morria Leça, um dos maiores goleiros que pernambucanos e baianos já viram jogar.
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Visitem o site do jornalista Lenivaldo Aragão e leia outras crônicas. www.nopedaconversa.com.br/
muito bom texto, só comprova o quanto o Mequinha era forte e respeitado no passado além de grande jogadores que vestiram o manto esmeraldino
ResponderExcluirExcelente matéria. Parabéns a Lenivaldo e a Washington.
ResponderExcluirSal, muito obrigado, mas os méritos são todos de Lenivaldo.
ResponderExcluirGraças a homens como ele, Roberto Vieira, Lucídio e Carlos Celso Cordeiro, podemos desfrutar de crônicas sobre a história do futebol pernambucano e recordar ou aprender que em tempos idos, tivemos grandes atletas que ficaram imortais, em consequências de seus esforços ao futebol de PE. Forte Abraço.
Para começar estou impressionado com um blog sobre o time que eu torço e sempre torci e sempre irei torcer.
ResponderExcluirDe fato conheço poucos americanos e esse site permite que eu tenha notícias e aprofunde os conhecimentos da história do nosso querido Mequinha.
Essa matéria em especial é muito boa por isso.
Leça foi um dos personagens que mais me povoou minha imaginação sobre os grandes jogadores do América. E suas histórias foram inspiração para que eu quisesse ser goleiro também.
Parabéns pela matério exposta e pelo site.
O prazer é todo nosso Jéfferson... e seja sempre bem vindo. Aqui é o espaço de todo torcedor americano. Além deste blog, possuimos a comunidade do América, que está recheada de americanos. Forte abraço.
ResponderExcluirhonrado por minha família fazer parte da historia desse clube..entre eles, meu bisavô Ernesto Leça, meu avô, Cyril Leça, meus tios-avôs e o campeoníssimo Leça, maior goleiro que Pernambuco já viu.
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