E o Santa Cruz fez o impossível...

Texto extraído do Blog Santa Cruz desde 1914, do Tricolor Pernambucano Rubens Souza.
Diante de um placar adverso de 1x5, e faltando apenas 15 minutos para o fim do jogo, o impossível acontece! Esta é a história da virada mais espetacular do futebol brasileiro.
Descrever os espectaculo que assistimos hontem, no campo dos Aflictos, é uma tarefa de difficil execução, quase impossível. Palavras não podem existir que traduzam com fidelidade o que pela primeira vez tivemos occasião de estupefactos observar.Impossível, sim, pois tudo que tenhamos e possamos consignar nesta chronica não corresponderá, estamos certos, ao que merece o glorioso team que, com heroísmo, defendei hontem o pavilhão tricolor. (É o Jornal Pequeno de 16 de abril de 1917, relatando na seção Sports, parte reservada ao foot-ball, mais que um simples jogo Santaex América. O repórter está contando a história de uma das mais inacreditáveis e heróicas viradas de todos os tempos.) Extinctos os minutos destinados ao descanso, voltam as equipes a campo e vemos apparentemente confirmada a nossa supposição, pois, o América marcou logo outro Goal.Dahi por deante a luta augmentou de interesse e os tricolores mostram-se ávidos em vingar o score adverso construído pelos adversários. E de facto, com um jogo de electrisar a assistência, os mesmo dominaram a barra de Jorge até que conseguiram marcar um goal. Outro goal é marcado. (A “suposição” do repórter: os beques estavam falhando. Mas os jogadores, no intervalo, alegavam que o problema era do goleiro: Ilo Just – diziam – estava doente. Só jogava por amos à camisa. Mas o incrível seria esta reação nunca vista: o Santa ia ganhar um jogo que perdia por 5x1 para o América.) A assistência delirou de enthusiasmo, as torcedoras do glorioso tricolor com gritos de verdadeiro estímulo transformaram os players em perfeitas flechas. Pitota, com admiráveis e educados driblings marcou mais dois goals, debaixo de uma acclamação vibrante, verdadeira sagração ao seu feito. Estabelecido o impossível empate o jogo aumentou de intensidade e os americanos não obstante esfaldados reanimam-se e fazem algumas investidas que não dão muito resultado, pois Castro na posição de back se mostrou de uma acctividade assombrosa. Tiano organizou alguns ataques a barra de Jorge eis que mais um goal consegue cavar.
Mais outro goal. Sá consegue marcar, quando ouvimos o apito terminando o jogo. Como vêem os nosso leitores, venceu este match verdadeiramente sensacional o team do valoroso Santa Cruz pelo score de 7 x 5. A victoria em si nada encerra de admirável, porem a forma pela qual ela foi obtida é um verdadeira facto sem exemplo em nosso meio esportivo. Faz-nos d’alguma forma crer nas preces que esgueram as mademoiselles, as quais com tanta dedicação offerecem as suas “torcidas” aos bravos defensores do pavilhão tricolor. (O repórter não conta o detalhe: bastaram 15 minutos para o Santa virar o jogo; e bastou este jogo para que o nome Santa Cruz se transformasse em símbolo de raça, de vibração popular.) Mas como aquilo aconteceu? Em 1979, aos 78 anos, o médico Martiniano Fernandes – catedrático aposentado, ex-senador, e ex-diretor da maternidade Oscar Coutinho, no Recife – não conseguia esconder a emoção ao relembrar passagens da épica vitória. Então, a torcida o conhecia pelo apelido de Tiano. “Eu era o capitão do time. Nosso ataque contava com cinco baixinhos, mas todos muito rápidos. No segundo tempo, resolvi deslocar Pitota para a ponta-direita – o efeito foi quase milagroso. Rapidíssimo, Pitota deixou tonta a defesa do América e passou a centrar bolar para a área. Fiz três gols e os outros foram marcados por Nequinho, Joaquim de Sá e Pitota. Pitota driblou quase todo time do América antes de marcar. Foi uma vitória tática: como o América correra demais no primeiro tempo, não pode acompanhar nosso ritmo no segundo, já que exploramos a velocidade de nossos jogadores.” O centroavante Zé Tasso era respeitadíssimo pela gente do Santa Cruz, cuja camisa vestira. Ele tinha se transferido para o América por influência do irmão, o goleiro Jorge Tasso. E agora estava ali, enfrentando os antigos companheiros.O jogo esteve para ser adiado por causa da morte de um sócio do América. Mas o Alviverde terminou jogando, isto depois de publicar uma nota, justificando sua ida a campo pela necessidade de não prejudicar o campeonato.O Santa marcou o primeiro gol. Mas logo Zé Tasso empatou o jogo e fez outros três goals. A torcida tricolor, desanimada, perdeu a fé quando, já no segundo tempo, o América chegou aos 5 x 1. Muitos abandonaram o campo envergonhados, mas a torcida feminina continuou a gritar, como se tivesse certeza da reação. “No começo, contamos com a torcida das empregadinhas, acho que por ser o time formado de estudantes, do Colégio Salesianos”, lembra Tiano. “Depois as patroas se sentiram atraídas.” Mas poucos previam o resultado que não fosse a derrota. A preocupação dos jogadores do Santa era fugir à desastrosa goleada. À medida que o tempo passava, lutavam mais e mais para diminuir a diferença. Foi aí que Zé do Castro perguntou a um torcedor quantos minutos restavam: apenas quinze. Daí pra frente, começou a impressionante seqüência de seis gols, deixando todos perplexos, como recorda Tiano: “Foi um delírio, muita gente que havia deixado o campo, voltou ao ouvir a algazarra feita a cada gol.” O professor Martiniano jogou no Santa de 1915 a 1922, quando rompeu um menisco num amistoso contra o Ceará. Parou e, no ano seguinte, formou-se em medicina. Nunca foi campeão – “Naquele tempo, quando o campeonato chegava na reta final, o Sport reforçava a sua equipe gente de fora e acabava ganhando tudo” – mas participou de muitos feitos gloriosos do tricolor. Nada porém, comparável à incrível vitória sobre o América, página escrita na história por ele e seus companheiros Ilo Just, Mangabeira, J. Silva, Zé do Castro, Teófilo, Manoel Pedro, Anísio, Pitota e Alberto Campos e América.Feito que foi tema de uma palestra que ele fez aos jogadores do Santa, às vésperas de uma decisão de campeonato, na época em que o clube era presidido pelo milionário James Thorp.
Texto extraído de uma edição da revista Placar, de 1979. Agradecimento especial ao João Bosco Filho.

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